HA TARDES QUE NÃO PODEM SER INTERROMPIDAS…...
O vinho tinto da Herdade do Mouchão escorria pela garganta e na boca deixava sabores de boas castas. Era quente e encorpado e o seu aroma vinha ao nariz. Cheirava a terras quentes e a espaços grandes onde as raízes correm sem serem contidas. A secura das terras davam às uvas um sabor forte que fazia a diferença entre os vinhos rosados e os de cor que tingem. O copo rodava lentamente para oxigenar o vinho.
Nos rituais é concedida uma paragem ao tempo. Integramo-nos tanto no momento que os relógios param em prol da sequência de actos.Giramos em gestos de beleza tão cadenciados que nos confundimos com o girar deste planeta e nesse embalar esta a unidade. Antes de escorrer pela garganta humedece a boca e nela deixa os aromas das mãos que misturam as diversas castas. Ha sabores de frutos, de cascos de velhas madeiras, do sol, da chuva e de beijos de pássaros nas uvas! Ao fim do segundo copo o corpo estende a sua memória aos prazeres da vida.
Mario aproximou-se de Mary e segurou-lhe a mão. Bebeu um golo e com a boca ainda molhada beijo-lhe a mão. O beijo tingiu a sua pele e desenhou os seus lábios. Mary levantou lentamente a sua mão e à medida que a aproximava da sua boca o líquido escorria e transformava-se em gotas. Para que não a pingassem… Mary lambeu a sua mão. Abraçaram-se e a noite que já estava tão curta para que não fugisse prolongou-se pelo dia até à outra e à outra noite.
Na volta já não havia regresso, as vidas tornaram-se comuns.
Mario deixou Mary em casa.
- Agradeço aos Deuses que tenha perdido o avião!
- eu não sei se me vou zangar com o cupido….
- preferia então ser a Dafnne e transformar-se em louro para fugir de Apollo?
- diga lá que não é um bom tempero e um bom cheiro?
- os seus são muito melhores e eu não gosto de coroas de louro….
- até amanhã
- não vem jantar comigo?
- não hoje vou ficar em casa
- vou morrer de saudades
- na quarta noite fazemos um intervalo
- quem lhe disse que os intervalos são bons?
- quem os inventou sabia que eram necessários…
- bem já vi que não a demovo... nem com saudades
- va-se habituando…..
A porta já estava aberta e a luz iluminava o hall . Era sempre um abraço apertado voltar.
Correu para a cozinha para ver Otília. Abraçaram-se
- desculpe menina mas estava a fazer um leite creme e não podia largar
- devias ter vindo a correr
- que se passa nesses olhos?
- apaixonei-me
- mau menina outra vez?
- então não ia ficar eternamente sozinha
- não comece com as suas coisas! Do eternamente para o breve ha uma grande distância!
- Isso é verdade e nesse espaço corre a vida e nela cabe tudo e nesse tudo não existem tempos perfeitos
-pois não menina mas existe o bom senso
- quem inventou o bom senso era chato demais e mentiroso, pois não existe!
- va menina menos
- se o bom senso existisse o mundo seria ainda mais chato
- mas melhor! Bem conte lá que já vi que esta conversa não chega a parte nenhuma
- estou perdidamente apaixonada
- espero que desta vez seja de vez
- também espero. O que fizeste para jantar?
- não fiz nada, não me disse que vinha jantar, mas ha sopa e um resto de carne assada e leite creme
- faz-me então uma sanduíche e quero uma sopa e leva-me se faz favor à biblioteca
- esta bem menina
Subiu como de costume as escadas a correr até à biblioteca. Acendeu a luz. Acendeu um fosforo e acendeu todas as velas. Voltou a apagar a luz. Abriu o leitor de CDs e escolheu Callas para ouvir. O Mio Babbino Caro foi a faxa escolhida. Pos no repite e pos o volume alto. Amava ouvir repetidamente as músicas que gostava e ouvi-las alto. Dava- lhe prazer e energia.
Será que ha tempos certos? Parece-me, que se houver, são pessoas certas, ou melhor, o que ha, são momentos certos e neles cabe tudo,mesmo o que não é certo. Na união do certo e do errado está a chave de tudo. Não ha brancos nem pretos ha muitos tons de cinzento…
Escorregou pelo sofá e deitou a cabeça no braço pondo por baixo uma almofada. O branco do tecto dava para desenhar tanta coisa! Como se desenharia o amor? A porta abriu-se e com a corrente de ar as chamas das velas agitaram-se e projectaram-se no tecto como uma dança de sombras. Será assim?
- Deixo aqui o tabuleiro
- obrigado Otilia
- veja se come
- obrigado
Otíla fechou a porta à saída como era costume. Levantou-se e abriu a porta toda para trás. Voltou a deitar-se A corrente de ar ficou mais forte. As chamas mais agitadas As sombras cresceram A dança tomou conta do tecto. Os pontos de luz viraram estrelas e revestiram-se de mais brilho. Callas cantava repetidamente a mesma ária e nessa repetição as notas desenhavam o mio babbino caro. Ja não era só sombra tinha nome! O corpo dançava entre as sombras e elas mostravam e escondiam partes trazem-lhe a intimidade que a imaginação negava. Na levitação ha uma força que nos sustenta e que atrai corpos possibilitando o encontro. O sofá já só tinha a função de rede de apoio. A dança passou a ser a dois e os braços estendidos procuravam abraços. As mãos percorriam peitos, braços e pernas e tudo o que tivesse entre eles. As chamas cada vez mais intensas agrupavam-se e de tanto se juntarem caiam em forma de chuva de estrelas que manchavam o chão como não houvesse amanha! Nos cantos as bocas esborrachavam-se tal era a pressão e os agudos de Callas eram a única comparação! Não havia cansaço e as sombras já só cobriam o regaço!
No final o abraço é tão brutal que o mundo nunca mais voltou ao normal. A sopa já estava fria e as velas de tanto arder escorriam estearina em forma de lágrimas que se sobrepunham formando a dor do fim do momento.
Engoliu a sopa e a sanduiche tão rápido que a nada lhe soube. Não era importante a fome não existia e só engoliu para não ouvir a Otília.
As horas naquela biblioteca tinham sempre menos de sessenta minutos e por isso passavam tão rápido! Já só ia dormir três horas. Correu para o quarto deitou-se na cama e para dormir tapou a cabeça com a almofada na esperança que ela impedisse os pensamentos…
BOM DIA DE MARTE
PAZ
NAMASTE